segunda-feira, 28 de maio de 2018

atlântico

manda vir
todas essas lágrimas da áfrica americana
numa carta via furacão
para que possamos também nós aqui
chorá-las
até que juntos vençamos o oceano
em uma jangada de revolta.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

de como as pessoas se amam

as pessoas amam-se logo ali de pés nus na relva húmida bem no início do verão, amam-se na cama, amam-se no chão. as pessoas amam-se num fio de vontade que serve de cabo de amarra em temporal.
as pessoas amam os amigos de peito à prova de bala. amam-se assim de coração, e sob as estrelas, nuas ou não.

as pessoas amam-se p'ra sempre apaixonadas ou até amanha, camaradas.

as pessoas amam a poesia que lhes escrevem, principalmente se por analfabetos com ganas de vencer a razão. um dedo, uma língua, ou toda uma praia ao pôr-do-sol na palma na mão. as pessoas amam a sagração da primavera ou todas as quatro estações.
de quando em quando as pessoas até amam quem lhes diz não.
amam enquanto o amor as separa e talvez menos quando as une. são assim os humores que nos percorrem por dentro no sangue complexo dos amaldiçoados.
as pessoas amam-se sem intermediários mas precisam deles para receber a primeira carta e sorriem quando amam as letras, principalmente se forem à mão.
as pessoas amam as asas abertas no céu ou a membrana em chamas do inferno porque o purgatório é uma ave engaiolada.

as pessoas amam, acima de tudo, existir em mais do que em si próprias e ser casa de alguém.

tudo isto

é verdade
sou eu que trago a semente
mas só tu verteste essas lágrimas
se quero viver nos poros da tua pele
quando morrer só quero
ir para o céu da tua boca.

terça-feira, 8 de maio de 2018

floripes

não há lendas erradas
para mouras encantadas
um beijo no braço 
uma ferida aberta
desde que do lado do coração
é o caminho mais duro que faz valer a vida
valer as velas na mão
valer a ria e o vento
o frio e as ondas salobras
valer o norte de áfrica 
e uma chama de sacrifício e maldição
acesa na mão.